terça-feira, 27 de agosto de 2013

Heraldo Hb em entrevista para o portal da Secretaria de Cultura do Estado

Reproduzo a entrevista de Heraldo Hb, publicado no portal da Secretaria de Cultura do Estado do Rio de Janeiro. O cerol fininho da Baixada Heraldo HB, do Mate com Angu, fala sobre seu livro com histórias do cineclube que será lançado pela coleção Tramas Urbanas, da editora Aeroplano http://www.cultura.rj.gov.br/entrevistas/o-cerol-fininho-da-baixada
“Cara, vou fazer um filme sobre o Jardim Primavera”. Na frase despretensiosa e ao mesmo tempo arrebatadora de Igor Barradas, que em 2000 decidiu filmar seu próprio bairro, começa a história do Mate com Angu, cineclube que bate ponto toda última quarta-feira do mês na Sociedade Musical e Artística Lira de Ouro mas circula por todos os cantos – já teve sessão do Mate até em Paris. Heraldo HB é um dos fundadores do Mate com Angu e faz questão de dizer que não é o líder: “somos um bonde, um bando”. E é o bando que apresenta o livro que Heraldo lança em agosto como uma “viagem sobre audiovisual, cultura, Baixada universal, ativismo e se-virismo, tendo os dez anos do Mate como guia”. Uma viagem que leva a um dos lemas do Mate com Angu, reafirmado em cada sessão e em cada mesa de bar em que essa turma pensa e produz: “A Baixada Fluminense é cinematográfica por excelência”. Duque de Caxias foi um município muito estigmatizado. Você menciona no livro o “bullying midiático” sofrido pela cidade e como essa imagem sempre gerou uma “carga pesada do ser caxiense”. A ideia do Mate com Angu era justamente revelar a riqueza de Caxias. Como você vê o papel do Mate no redescobrimento da cidade e da Baixada? O trabalho do Mate surgiu no momento exato desse ponto de virada, em que começou também a popularização do digital e da internet. Isso trouxe a possibilidade de as pessoas conhecerem o que é produzido aqui. A grande mídia mostra tudo muito por alto, o que aparece é o estigma. A história do Mate é uma espécie de panorama de como essa guerrilha cultural – que o Mate encara junto com outros coletivos e artistas – tem revertido essa imagem da Baixada. Quisemos e queremos incluir a Baixada no imaginário nacional. Muita coisa que a gente vê aqui de história, texturas, gentes, não é representado, o estado e o país não conhecem. Tem uma galera que fortalece essa guerrilha cultural com o Mate: o Buraco do Getúlio [cineclube de Nova Iguaçu], o Donana [centro cultural de Mesquita], o movimento rock da Baixada que tem formado uma galera muito militante... Essa galera começou a descobrir quem já estava na estrada, e assim vamos nos conectando. Você menciona três impactos “fazedores de cabeça” ligados ao audiovisual importantes na sua formação – Vidas Secas, Memórias do Cárcere, do Nelson Pereira dos Santos, e a TV Maxambomba. Dentre produções mais recentes, quais você destacaria nesse sentido? Tem tanta coisa que deu uma mexida em mim nos últimos anos, é difícil lembrar assim... O Serras da Desordem, do Andrea Tonacci (Brasil, 2006) é um bom exemplo, feito por uma galera da antiga do cinema. Tem muita coisa marcante também nessa produção digital, mas não consigo lembrar agora (risos). O nome do Mate com Angu foi inspirado na história da Escola Regional de Meriti. Quando você conheceu essa história? Essa escola foi criada em 1921 pela Armanda Álvaro Alberto, uma mulher fascinante. Ela era uma visionária que escrevia em defesa da educação, da emancipação das mulheres, da igualdade racial, contra o autoritarismo dos governantes, etc. A escola era a sua paixão e foi um exemplo revolucionário que foi praticamente apagado da memória nacional. A escola foi a primeira do país a ter horário integral, orientação progressista, a ter uma biblioteca, um museu natural e um receptor de rádio, entre outros avanços. Além disso, foi a primeira escola da América Latina a servir merenda escolar, e daí o apelido “mate com angu”... Como nas doações dos comerciantes locais sempre tinha fubá e erva-mate, muitas vezes havia essa combinação na refeição das crianças. Sempre fui muito apaixonado por história e, desde moleque, quando soube da história dessa escola e da Armanda, fui fuçando, fuçando, até ler tudo que tinha sido publicado sobre o assunto. E eu me dediquei a divulgar isso, sempre contei para todo mundo, e sugeri o nome quando criamos o cineclube. As gerações mais novas estavam perdendo essa referência, mas o Mate ajudou a resgatar essa história. Agora a Armanda está começando a ser reconhecida, tem sido homenageada em vários lugares, e é legal saber que ajudamos a tornar essa história conhecida. Você também associa o nascimento do Mate à percepção de uma brecha em relação à tecnologia digital que mudaria totalmente a forma como a produção e a distribuição da cultura se dariam dali para frente. Qual é a importância da democratização das tecnologias digitais para o Mate com Angu – e para um novo modelo audiovisual? Não dava para pensar o Mate sem isso. O Mate surge de um contexto popular, nós não somos só da Baixada, temos limitações econômicas também. O digital já existia antes, mas não era tão barato – tanto as câmeras quanto os projetores. Mas quando o Igor fez o filme [Progresso Primavera, de 2001] a gente viu que a brecha estava aberta, que dava para fazer e que era a hora de as coisas acontecerem. A gente apostou tudo nisso. E a gente estava certo. O Mate com Angu foi para a Lira de Ouro por acaso, mas foi um acaso muito feliz pois a Lira é um espaço símbolo da cultura independente de Caxias. Como foi adotar esse endereço? O Mate com Angu também realiza sessões e atividades em escolas, faculdades, eventos culturais, etc, mas nossa casa é mesmo a Lira do Ouro. Antes de ocuparmos a Lira já existia o desejo, mas a concretização foi por acaso. As sessões aconteciam no Sindicato dos Bancários e, no dia em que programamos o Deus e o Diabo na Terra do Sol, com uma boa divulgação via internet, SMS de celular, cartazes colados na madruga e panfletagem, chegamos lá e o espaço estava fechado por causa da greve dos bancários. Na hora entramos em contato com um diretor da Lira de Ouro e migramos o evento para lá. Foi assim, em setembro de 2004, que as sessões regulares do Mate passaram a se dar na Lira de Ouro. A Lira de Ouro é um símbolo para a cidade. Já era um símbolo quando era uma banda [fundada na década de 1950], depois caiu no ostracismo e a gente descobriu que os velhinhos iam perder a sede. Essa situação aglutinou um exército cultural da cidade para salvar a sede, revitalizar a banda e colocar o espaço a serviço da cultura na cidade. Foram anos de lutas para proteger esse espaço. O Mate estar ali não mostra só uma simbiose, mas reforça uma trincheira cultural que reforçamos aqui em Caxias. O que acontece na Lira é um exercício coletivo de ação, com dança, samba, rock, cinema , teatro, hip hop. Às vezes na sexta tem samba, no sábado tem rock, no domingo tem hip hop, quarta é dia de Mate, e todo mundo se entende. É um espaço plural de verdade. O Mate com Angu nasceu como uma experiência coletiva, sem a figura de um líder – pensado como um bonde, um bando, como você diz no livro. Como é para você não liderar, mas representar esse bando? A gente sempre quis ter essa meta de não ter um líder, que é difícil. Eu penso muito nisso, os movimentos sociais precisam exercitar mais as formas de organização, pensar a liderança. Tem grupos que se dizem coletivos mas tem sempre uma mesma pessoa falando. A gente tenta não centralizar, quem vai chegando vai fazendo as coisas, dando entrevistas, etc. Uma coisa de liderança de pajé, não de cacique. Mas é um exercício constante, que fazemos nesses 11 anos de Mate. E o futuro do Mate do Angu? Eu não sei, o futuro é incerto pra caramba. Estamos agora enfrentando um dilema, por querer fazer as coisas com mais enraizamento, mas não dá para saber. O futuro é uma incógnita. O Cerol Fininho da Baixada - Histórias do cineclube Mate Com Angu será lançado no próximo dia 8, quinta-feira, na Livraria da Travessa do Centro Cultural do Banco do Brasil (Av.Primeiro de Março, 66 - Centro). O livro integra a coleção Tramas Urbanas, da editora Aeroplano. Colaboração de Renata Saavedra

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