terça-feira, 8 de maio de 2012

Mundo trava guerra pelo controle da web



07/05/2012 |
Redação
O Globo Online
RIO - A Terceira Guerra Mundial pode já estar sendo travada, sem que nos demos conta. E para esta luta, nada tradicional, não é necessária nenhuma das 19.500 ogivas nucleares hoje existentes no mundo. O objetivo não é territorial ou industrial, mas virtual (embora continue econômico): controlar os destinos da internet, o maior meio de comunicação já inventado pelo homem. Sem ela, não é mais possível conceber a vida em sociedade — quase um terço da população do planeta usa a rede: são 2,2 bilhões de pessoas, sendo que 901 milhões já estão no Facebook, mais de 1 bilhão de buscas por dias são feitas no Google e mais de 2 bilhões de vídeos são vistos diariamente no YouTube. O comércio eletrônico na rede deverá faturar mais de US$ 1,4 trilhão em 2015, projeta a divisão de pesquisa em economia da Cisco, e analistas americanos preveem para este ano uma receita global de US$ 1,5 trilhão da indústria de dispositivos móveis, com mais de 6 bilhões de aparelhos.
Na guerra por controlar essa massa de gente conectada e as informações que trafegam no ambiente on-line, de um lado, estão os governos e a indústria tradicional, que almejam o retorno ao status quo e desejam preservar seus direitos e a soberania das nações. Do outro lado, estão empresas de internet, parte da sociedade civil, entidades como a Electronic Frontier Foundation, e os hacktivistas, que pregam a liberdade na internet.
Mas há uma terceira facção, que um recente artigo na “Vanity Fair” chamou de adeptos do Caos Organizado, que lutam para alcançar um equilíbrio entre os dois lados e preservar a estrutura da internet respeitando ao mesmo tempo a segurança institucional e empresarial, mas garantindo a privacidade e o livre ir e vir dos internautas. O próprio pai da internet, Vint Cerf, está otimista quanto a um equilíbrio, conforme contou ao GLOBO.
Fronteiras não são geográficas
Um momento chave desta guerra vai acontecer em dezembro deste ano, com a reunião da União Internacional de Telecomunicações (UIT) em Dubai, onde 193 países discutirão a revisão de um tratado da ONU sobre a Regulação Internacional de Telecomunicações. Teme-se que este tratado, que regula o uso de redes de televisão, rádio e telefonia, seja estendido à internet e ponha ainda mais lenha na fogueira da luta pelo controle da grande rede.
— A internet, desde o começo, sempre foi multissetorial, e no Brasil acertamos ao defini-la como um serviço de valor agregado, colocado sobre as telecomunicações — diz Demi Getschko, presidente do Núcleo de Informação e Coordenação (NIC.br) do Comitê Gestor da Internet brasileira, um dos pais da grande rede no país. — Essa visão mantém a internet aberta a novos aplicativos e a inovações, e é esse o espírito da rede. Com uma regulação mínima, ela permite essa evolução. É diferente das telecomunicações, que exigem regulação para o uso de fibra óptica, de espectro etc.
Para Getschko, a questão do conflito pelo controle da rede resulta em parte do fato de determinados países insistirem em manter sua soberania sobre ela, quando se trata de uma rede onde as “fronteiras são difusas e não geográficas”.
— A boa lei é aquela que procura respeitar a natureza da internet e não tentar resolver problemas localizados — sentencia.
Um exemplo foi a tentativa recente dos legisladores americanos de aprovar os projetos Sopa e Pipa para controlar com mão de ferro a rede, algo que foi recebido com protestos da comunidade on-line e por empresas como Google, Yahoo! e Facebook.
O principal órgão de governança da internet hoje é a Icann, entidade que cuida dos nomes de domínio (endereços) da rede, e, segundo Carlos Affonso, coordenador-adjunto do Centro de Tecnologia e Sociedade da Fundação Getúlio Vargas, procura manter o multissetorialismo da internet.
— Por ser uma estrutura globalmente compartilhada, a internet precisa atender a todos os lados, e a Icann procura equilibrar os interesses de governos, iniciativa privada, sociedade civil e academia/comunidade técnica — explica Affonso. — Esses grupos devem discutir o futuro da rede em pé de igualdade. Nessa tarefa, a Icann é ajudada pelo Internet Governance Forum, entidade que não tem poder decisório, mas pode fazer recomendações quanto a futuras decisões sobre a grande rede.
De acordo com Affonso e Getschko, com as crescentes tensões envolvendo soberania, privacidade e segurança, teme-se que, na revisão do tratado sobre regulação internacional de telecomunicações, a UIT estenda ou insira alguma regra envolvendo a internet, o que quebraria o equilíbrio precário que a comunidade internacional vem a duras penas mantendo desde que a rede se tornou acessível a todo o mundo, em meados dos anos 1990.
— Isso é preocupante, porque, no caso da UIT, a balança pende em favor dos governos, que passariam a deter o poder de decisão — diz Affonso.
O secretário-geral da UIT, Hamadoun Touré, afirma no site do órgão que a revisão das regulações de telecom é um dos grandes desafios deste ano. “O mundo mudou muito desde a última revisão em 1988. Vimos uma explosão nas comunicações móveis e na internet, e há mais entidades em operação no mundo como resultado da desregulamentação. Assim, precisamos achar um meio de gerenciar a evolução do tratado, e, por exemplo, resolver os problemas de segurança nesse quadro”, diz Touré. Ele admitiu recentemente na rede que a UIT quer dar “apenas” um “leve toque” nas operações da internet.
Segurança é ponto chave
Segurança é, quase sempre, um dos argumentos de governos e entidades corporativas para fazer lobby a favor do fim do anonimato na internet. Mas Vint Cerf, um dos pais da web ao lado de Robert Kahn, alerta para o perigo desse tipo de ideia. “Quando vejo senadores e deputados nos EUA reclamando do anonimato, lembro que eles deviam ler mais a história do próprio país. Os tratados anônimos que criticavam o governo britânico tiveram muito a ver com a Revolução Americana no século XVIII, que levou à independência. Será que eles não tiveram aula de moral e cívica?”, comentou Cerf na rede. Entretanto, o homem que tudo começou é, no fundo, um otimista.
— No fim das contas, algum tipo de equilíbrio será alcançado — afirmou Cerf ao GLOBO por e-mail. — A internet é uma entidade dinâmica e continua a evoluir e mudar. Hoje mais pessoas têm, mais do que nunca, acesso aos poderes da rede. A noção de Estado e a ideia de soberania nacional terão que se adaptar com o tempo.
Para Cerf, no futuro, o contrato social que fizermos como cidadãos de um determinado país terá componentes globais reconhecidos e garantidos, numa linguagem que irá além da utilizada pela clássica Declaração de Direitos Humanos da ONU.
— A internet expõe abusos e possibilita ações coordenadas. Ela terá seu papel na busca de um ponto de equilíbrio diferente do que experimentamos no passado.

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