Lira de Ouro: 100 anos de históriaHistória da Banda se confunde com a de seu único fundador vivo, o trombonista Acácio de Araújo
A garra, a simpatia e o amor pela música podem ser o segredo da longevidade do trombonista Acácio de Araújo. Aos 100 anos de idade, ele é o único fundador vivo da Sociedade Musical e Artística Lira de Ouro. Não é à toa que, no próximo dia 30 de abril, a nova diretoria da Entidade lhe prestará uma justa homenagem, durante as atividades de comemoração pelo Dia da Baixada Fluminense.
Contar a história da Banda Lira de Ouro sem mencionar o suor e a paixão dispensados a ela pelo Sr. Acácio seria uma injustiça, já que foi por ela que ele sempre dedicou a sua vida. De acordo com o cantor e compositor Beto Gaspari, em texto publicado na revista Pilares da História, a história do músico se confunde com a da Banda e vice-versa, num emaranhado de lembranças, glória, sofrimento, esperança e, principalmente, de certeza de ver a “sua” Lira se apresentando com o repertório que ainda ressoa em sua memória, levando novos músicos e músicas para as praças e coretos do país.
A semente para o nascimento da Banda foi lançada ainda na infância do Sr. Acácio, quando ele insistiu com a família para aprender música. Mesmo sendo um exímio tocador de sanfona, o pai relutou em matriculá-lo nas aulas. “Como eu não tinha mais mãe, já tinha a segunda mãe, pedi para ela convencer o meu pai a me deixar aprender música”, conta ele. Mas, para a sorte de todos, aos 15 anos, o menino Acácio já tocava trombone e participava da criação de uma banda na cidade, compartilhando seus conhecimentos musicais.
No entanto, a vida de músico não era fácil e ele tinha que trabalhar duro na indústria açucareira, lá em Campos. Foi em busca de mais oportunidades e de uma vida melhor para os pais, descendentes diretos de escravos, que o jovem Acácio desembarcou em Duque de Caxias, no dia 29 de fevereiro de 1933, aos 22 anos de idade. Graças ao apoio da irmã e do cunhado, ele pode se estabilizar na cidade e conseguir um emprego, não menos duro, em uma empresa de telefonia americana, em Copacabana. Mas, como para a música não havia cansaço, mesmo trabalhando de segunda a sábado, ele ainda arrumava tempo para ensaiar nas noites de sextas-feiras e tocar em bailes, nos sábados à noite.
“Naquela época, as bandas eram muito apoiadas e quase todas as cidades tinham uma, mas Caxias não tinha, e quando precisava fazer uma festa bonita contratava uma banda do Rio”, lembra Seu Acácio, ao explicar um dos motivos que o levou a fundar a Sociedade Artística e Musical Lira de Ouro, juntamente com outras 18 pessoas. “Tinha lido em uma revista que a Baixada Fluminense era analfabeta, que não tinha cultura. Como não tinha cultura?!”, completa ele, sempre levantando a bandeira da região.
E, é com muito orgulho que Seu Acácio se lembra dos tempos áureos da Banda e se gaba do repertório, segundo ele “riquissímo”, que possuía.
Mas, os tempos mudaram: a Banda já não desfruta das glórias de outrora e a Sociedade enfrenta dificuldades para “se perpertuar... num tempo em que os coretos quase não existem, as praças estão abandonadas, desarborizadas, violentadas pela violência, pela falta de educação, pela falta de cultura (bandas, folias, saraus...) que já não atraem tanto as pessoas, e os amores não estão mais chamando ninguém pra ver a Banda passar cantando coisas de amor...”, conforme afirmou Beto Gaspari, músico e ex-diretor da entidade, em citação extraída da revista Pilares da História.
No entanto, para Seu Acácio, a função da Sociedade já estará sendo cumprida se ela continuar formando novos músicos e conseguir realizar o seu sonho, desde a fundação, de oferecer oficinas de música gratuitas às crianças que não podem pagar. Além, claro, de manter a qualidade musical dos tempos áureos.
O poeta e produtor cultural André de Oliveira está à frente da nova diretoria, que tomará posse durante as atividades do dia 30/04. “Assumo junto com toda a diretoria da Lira de Ouro o compromisso de colocar a Instituição como um dos grandes pólos de difusão da cultura de nossa região. Vamos fazer uma reforma física em nossa sede para que os usuários possam aproveitar melhor as instalações. Estamos retomando os ensaios da Banda, que em breve estará pronta para se apresentar nos palcos do mundo afora”, revela André. O novo diretor afirma que não poupará esforços para prosseguir com o legado dos antigos mestres: “Queremos nessa nossa gestão, acima de tudo, continuar trabalhando em prol da cultura de nossa cidade. Estamos assumindo o legado de outros companheiros que começaram essa luta, em especial o Sr. Acácio, que é um exemplo para nós”.
Atualmente, a sede da entidade é também um Ponto de Cultura, onde convivem diversas manifestações culturais como shows musicais, cineclube, rodas de samba, capoeira, hip-hop, entre outros. “Vamos deixar a Lira ‘antenada’ com os dias atuais e inseri-la na cultura digital, com o objetivo de atrair a juventude para o espaço. Estamos também retomando cursos e oficinas, para que nossos jovens tenham um local onde possam aprender coisas novas”, conta André.
A Lira de Ouro está sendo regida há vários anos pelo maestro Vanderley Fernandes. Após ficar desativada por um ano, retomou as atividades, com 20 músicos. Periodicamente, são feitos testes, na sede da Entidade, para a seleção de novos integrantes para a Banda.
Entre os primeiros mestres da Sociedade, estão nomes como João Antonio do Espírito Santo, Walter Barros, o tenente da Polícia Militar Arlon Neiva e Ramiro Graça Peixoto.
No dia 30 de abril, além da homenagem ao Sr. Acácio, serão comemorados os 54 anos da Entidade, fundada em 12 de março de 1957, e o aniversário de nove anos do portal Baixada Fácil. Entre as principais atrações culturais da festa estão: roda de capoeira do Mestre Gegê, grupo de hip-hop Urbanus, grupo Nosso Canto e exposição de artistas plásticos da região. A população também poderá se beneficiar com diversas ações sociais, como corte de cabelo e almoço beneficente. O evento começa às 9h e tem entrada franca.
Serviço:
O Ponto de Cultura Lira de Ouro fica na Rua Sebastião de Oliveira, 72 – Centro – Duque de Caxias. Mais informações podem ser obtidas pelo telefone: (21) 3774-4157
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