Duque de Caxias e as passagens de Ônibus – Por Abdul Haikal
Sem capacidade técnica, a prefeitura revela fragilidade em propor um plano de transportes coletivos por ônibus feito sob a ótica dos interesses da sociedade. O conceito atual de gestão, fruto da opinião hegemônica dos concessionarios no planejamento do sistema, surgiu no vácuo deixado pelo poder publico. Por três décadas os empresarios tem decidido como, quando e onde se dará a operação e qual será o valor das passagens de ônibus. Blindados pela apatia técnica e jurídica da prefeitura, nenhuma das atuais linhas em operação está em conformidade com a legislação vigente que prevê licitação precedida de estudos de demanda exigidos pela lei 8666. A única tentativa de licitar estes serviços ocorreu em 2008 mas esbarrou em decisão judicial que suspendeu o processo. A decisão impediu a prefeitura de receber mais de 100 milhões de reais referentes a outorga do direito de explorar as linhas que as empresas devem pagar ao município.
A cidade perde e o usuário sofre as consequências da incapacidade da prefeitura em cumprir suas atribuições de planejar a operação em seu território, já que não dispõe de um banco de dados com informações básicas mínimas sobre o assunto – índice de passageiros por kilometro rodado (IPK), volume de carregamento, perfil dos trajetos, habito de deslocamento dos passageiros, conhecimento dos custos fixos e variáveis que compõe a planilha, caracteristicas tecnológicas dos veículos etc… – informações essenciais pois o preço das tarifas é extraído da soma dos custos administrativos, gerenciais e operacionais divididos pela média de passageiros por kilometro rodado.
Somente em 2007 foi adotada um modelo de planilhamento aceito nacionalmente. A Planilha de Cálculo Tarifário para Transporte Urbano elaborada pelo GEIPOT foi usada como argumento na negociação com as empresas que reivindicavam novo aumento. A Secretaria de Transportes congelou aumentos das passagens por dois anos (2007, 2008) tendo como base os custos dos 27 itens analisados da planilha. Até aquela data os aumentos eram decididos pelos empresários em reuniões no Sindicato das empresas. O uso da planilha do GEIPOT caiu novamente no esquecimento a partir de 2009 e os aumentos voltaram a ser concedidos sem a análise criteriosa da planilha de insumos por parte do governo. Com preços injustificados e operação feita sob a ótica de interesses mercadologicos acentuaram-se as distorções prejudicando a qualidade de oferta dos serviços. Estas distorções são agravadas pela falta de um planejamento global e integrado do transito, transporte, uso e ocupação do solo publico que impactam na fluidez do transito acentuando a irracionalidade no sistema viário da cidade. Prevalece o conceito de gestão artesanal da mobilidade urbana influenciando negativamente os custos operacionais do transporte pela forma desordenada que interagem seus componentes. Tratados de forma estanque como facções que não se comunicam , o transito, transporte e ocupação territorial não são vistos nem tratados de forma sistêmica pelo poder público. Tudo é feito a “meia-sola”
Mesmo a Secretaria Municipal de Transportes criada em 2007, já nasceu esterilizada pelo governo da época que decidiu manter a fiscalização e vistoria dos ônibus na Secretaria de origem – Serviços Públicos – a quem as empresas de ônibus se reportavam. A decisão do governo restringiu a atuação do novo orgão e manteve o centro de decisões nas mãos dos empresários. Foi um único e raro caso no país em que uma Secretaria de Transportes, resumida a uma cadeira e uma mesa, não tinha poder coercitivo sobre as concessionárias. Sem recursos para aquisições de equipamentos e contratação dos técnicos necessários para formular as politicas para o setor o novo orgão não promoveu grandes mudanças na mobilidade urbana.
Mesmo a elaboração de projeto feito com a ajuda de engenheiros da COPPE instituição de alto nível de excelência da UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro – com objetivo de estruturar o novo orgão e aprovado por técnicos do BIRD, que financiaria sua implementação, não sensibilizou o chefe do executivo a quem cabe a decisão final. Até hoje, para formular propostas de um segmento complexo, dinâmico e delicado como é o de transporte coletivo, a prefeitura de Duque de Caxias não dispõe, em seu quadro de funcionários, de engenheiros com especialização na areá de transporte ou transito. Incapaz de coletar e monitorar a evolução dos dados em campo para gerar elementos de planejamento e de técnicos que sistematizem estas informações a prefeitura fica sem argumentos para propor a revisão do sistema e dar transparência a composição tarifaria. Com estrutura deficiente e carecendo de subsídios a Secretaria de Transportes é um “elefante branco”, que via de regra, apenas oficializa decisões tomadas nas garagens de ônibus. São os concessionários controlando o poder concedente.
Embora seja fato o investimento na renovação da frota, os empresários de ônibus convivem diariamente com alto o índice de reclamações dos usuários. Enquanto a composição de custos for uma caixa preta as desconfianças serão justificadas. Não democratizar as informações fertiliza oportunismos e incompreensões que satanizam os empresários de ônibus de forma exacerbada. Neste universo de obscuridades surgem retóricas que pregam preços de passagens insustentaveis, desrespeitando a ciência exata da matemática financeira, desconhecendo o equilíbrio – econômico – das operações e prejudicando a qualidade do debate sobre um assunto que requer conhecimento sobre sua execução.
À luz da razão devemos reconhecer que as empresas de ônibus geram empregos, pagam tributos e prestam um serviço estratégico para a sociedade. Sem eles seria o caos. Entretanto, e necessário o cumprimento da lei, transparência e lucidez para aparar arestas, corrigir distorções e promover um debate propositivo envolvendo todos os atores deste processo. O Estatuto das cidades propõe uma gestão democrática com a participção da população por suas associações e entidades representativas para debater, formular e acompanhar a execução da operação de um serviço considerado essencial pela constituição brasileira. A população que financia a operação tem esse direito e as empresas precisam reconhece-lo.
E preciso desintoxicar o debate porque a questão das tarifas de ônibus não é política. É estritamente técnica.
Cabe ao poder legislativo fiscalizar o cumprimento da lei exigindo a licitação alem de mediar este encontro para que todos saiam ganhando.
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Abdul Haikal foi secretário de Transportes Públicos do Município de Duque de Caxias de 2007 a 2008
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