terça-feira, 30 de agosto de 2011

A nova cara da Baixada Fluminense


A partir de um convite do Sesc de São João de Meriti, para realização de uma palestra sobre os movimentos sociais da Baixada Fluminense, eu dei inicio, muito superficialmente, a...
A partir de um convite do Sesc de São João de Meriti, para realização de uma palestra sobre os movimentos sociais da Baixada Fluminense, eu dei inicio, muito superficialmente, a uma pesquisa, na tentativa de organizar as idéias.
“Não cabe temer ou esperar e sim buscar novas armas”, Deleuze
Muitas vezes, a região é vista apenas como sinônimo de pobreza, violência e banditismo institucionalizado, ou seja, o estigma, a imagem fixada reduz a diversidade de manifestações e as múltiplas possibilidades da região. Tenho a impressão de que neste momento estamos vivendo uma ruptura total com essa imagem, penso que esta imagem estigmatizada que a mídia tanto contribuiu e ainda contribui para reforçar, e que se consolidou no senso comum, já está ultrapassada. Percebo também que, diante desta desqualificação, diversos movimentos sócio-culturais da Baixada Fluminense têm contribuído positivamente, para construir uma identidade, que se afaste da imagem estigmatizada, onde estereótipos reducionistas tendem a esconder a diversidade e a intensidade cultural desta vasta e complexa região. Neste momento, estes movimentos vêm desempenhando um papel fundamental neste processo e promovendo uma verdadeira revolução na região.
Como morador da Baixada, observo um cenário sócio-cultural extremamente rico e articulado com um discurso predominantemente politizado, contrastando com um quadro, ao longo dos treze municípios, em que a falta de políticas públicas para a promoção da cidadania do povo, predomina. Mas é possível perceber também que a atuação dos movimentos sociais é inversamente proporcional as ações políticas dos governos municipais.
O que quero dizer é que a Baixada Fluminense hoje é uma das regiões onde os movimentos sociais, ou sócio-culturais são dos mais atuantes do cenário nacional, e o que é mais interessante, na maioria das vezes sem a menor possibilidade de diálogo com o poder público local. Estes movimentos, cada um deles, possuem uma dinâmica própria de existir e, portanto, explicar, transformar e ressignificar a realidade, recorrendo a práticas e saberes diversos. A articulação política e social destes grupos na Baixada está diretamente ligada a manifestações artísticas, e este, vem sendo na minha opinião o grande diferencial na reivindicação dos cidadãos. Este processo cria na região um fluxo onde, práticas e ações sociais desencadeiam manifestações artísticas e vice-versa. É notável que, existem diferentes memórias convivendo e sendo produzidas ao mesmo tempo em nossa sociedade. Nesse sentido, também convivemos com múltiplas identidades coletivas.
A quantidade de movimentos sociais, ONGs, cineclubes, movimentos literários, musicais e de produção cultural, entre outras ações, vão além de qualquer tentativa de mapeamento. Desse modo, não conseguiria através de uma pesquisa superficial de aproximadamente uma semana, enumerar e/ou citar todos os movimentos, manifestações sociais e atividades que vêm desempenhando um papel de vital importância para a desconstrução da imagem estigmatizada que foi atribuída a região.
Não foi possível pensar por região, desse modo, fui rememorando algumas ações que pude acompanhar um pouco mais de perto, ora pessoalmente, ora pelos meios virtuais, visto que, é preciso levar em consideração, neste momento, o poder de mobilização das ferramentas virtuais, como as redes sociais por exemplo. Com dois destes cidadãos atuantes e integrantes destas novas modalidades de movimentos sócio-culturais eu consegui conversar pela internet, o Heraldo (HB), cineasta do Mate com Angu e o Márcio Grafite do Anti-cinema, este último faria a palestra junto comigo. Também fui tentando organizar o pensamento, lembrando dos municípios vizinhos (escrevo aqui de São João de Meriti).
Lembro que em Duque de Caxias, entre outras instituições, o Cineclube Mate com Angu que funciona na Lira de Ouro, é hoje um dos mais importantes cineclubes do Brasil. Este coletivo agrega cineastas com excelentes produções, que seguem colecionando premiações, inclusive internacionais. Não bastassem as projeções e produções, ainda rola boa música durante as sessões temáticas. Também promovem oficinas de produção de áudio-visual em outros espaços. O Mate, se me permitem a intimidade, vem rompendo barreiras e fronteiras, inclusive geográficas, com ações simples, mas que tem sido de profunda importância para a Baixada. Vale destacar o ônibus que traz o público do centro do Rio de Janeiro para Duque de Caxias.
Lembro que em Mesquita o Setor BF, que funciona ali em baixo do viaduto de Mesquita, vem desde aproximadamente a década de 90, disseminando e difundindo questões ligadas ao Hip Hop e aos seus elementos.
O Centro Cultural Donana, retomou com força total, as atividades iniciadas no fim da década de 80 e mais uma vez desenvolve atividades em Belford Roxo ligadas a música, poesia e cinema. Belford Roxo também foi o cenário do primeiro sarau de poesia dentro de uma câmara de vereadores no Brasil, o Poesia na Câmara, produzido pelo poeta Sylvio Neto.
Não poderia deixar de falar de São João de Meriti, onde o Cinema com Batuque, que acontece no Sesc, junta cinema, artes plásticas, performance, música. E do coletivo Anti-Cinema, que atua entre a produção dos seus filmes e diversas oficinas de vídeo, dando suporte para outras ações em diversos espaços.
Em Nova Iguaçu lembro que, o Movimento Enraizados, voltado para ações ligadas a cultura Hip Hop, e o Comcausa, que reúne diversas ações entre os espaços para debates, manifestações engajadas em causas sociais relacionadas à violação dos direitos humanos, vem lutando para a consolidação de uma cultura de direitos na Baixada Fluminense. E claro o cineclube Buraco do Getúlio.
Minha primeira memória relacionada à resistência e a formação da identidade na Baixada Fluminense, está ligada ao Desmaio Públiko, zine-movimento-performance que promoveu diversas ações principalmente em Nova Iguaçu. Posteriormente ao movimento reggae de Belford Roxo, que ainda me chama profundamente a atenção. O coletivo de artistas do Imaginário Periférico num outro momento, e assim por diante. Hoje, penso que estas diversas instituições, e suas ações vem desempenhando um papel fundamental para a desconstrução da imagem negativa e na formação da nova cara, ou identidade da Baixada Fluminense. Sei que estou muito envolvido afetivamente com a região, mas posso afirmar que a Baixada Fluminense é um caldeirão cultural onde as memórias coletivas são múltiplas e diversas e convivem com a diversidade.
A memória coletiva pode ser entendida como um conjunto de significações construído por um grupo social a partir de vivências comuns. A identidade local vem buscando na memória a construção do nosso lugar no tempo e no espaço. A memória exige esforço e trabalho, pois ela constrói o modo como sentimos e entendemos nossas experiências pessoais e, nossas vivências coletivas.
Para finalizar eu gostaria de ressaltar o caráter seletivo da memória, desse modo, encerro pedindo sinceras desculpas aos diversos movimentos e ações que não foram mencionadas ao longo desse texto, mas que também desempenham ações que são de extrema importância para a Baixada Fluminense, e que vem mostrando a nova cara da Baixada Fluminense fazendo valer a máxima de Nietzsche, “temos a arte para não morrer da verdade”.

 | André Leite sociólogo, mestre em memória social e documento.

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